Monday, May 01, 2006

eu também.

[deitados na cama aos surruros num fim de tarde preguiçoso.
ela encharca o travesseiro chorando baixinho nem sequer alterar a respiração. remoendo uma idéia fixa.
ele, nos seus 38º de febre, finge dormir. as vezes até finge roncar.]

- o que você está pensando?
- que você não gosta mais de mim.
- e o que mais?
-...
mais nada.

[mentira. pensava tantas outras coisas que não havia uma única coisa que pudesse ser mais importante pra acompanhar o desamparo que sentia. podia ter inventado qualquer coisa só pra satisfazer a curiosidade dele, mas estaria mentindo. na tentativa de ser transparente acabou mentindo do mesmo jeito. ah, foda-se.]

- por que você acha que eu não gosto mais de você?
- porque você está diferente.
- ah, eu estou doente.
- hunf... eu sei. mas não é isso...
é... ahn... são várias coisas.

[não que não soubesse. sabia exatamente o que estava diferente. mas a lista era imensa. e aos olhos dela a diferença era tão gritante que nem valia a pena gastar saliva com coisas tão óbvias. 'são várias coisas' foi tudo que lhe ocorreu dizer. 'são várias coisas'; 'são várias coisas'... são todas as coisas.
antes fosse a doença. antes fosse a doença...]

- aé... não gosto mais de você... [disse ele num tom verdadeiramente irônico.]
- é sim.
- não é.
- é sim.
- não é não.

...

- ah, eu amo você.

[até um robô teria dito isso com mais naturalidade.
já sabia que nada mais era como antes, mas a confirmação real veio com essa declaração mecânica.
sentiu um baque na coluna, um na gargata e outro na cabeça. talvez fosse morrer. desejou estar doente. a única salvação era acreditar. naquela altura dos acontecimentos dentro de si a ÚNICA opção era acreditar...]

[ela respira fundo e diz de alma inteira. uma alma realmente desesperada:]
- eu também.